domingo, 30 de setembro de 2018

"brecha", de Maria Elizabeth Candio





Ainda que a cabeça negue
e a boca oprima,
há algo que persegue e segue
e sangra e pede rima.

É como a brecha
na entreaberta porta.
É um jeito de quem chora
e não suporta.

Ainda que o orgulho esconda
e a alma resista,
há algo que rompe e que ronda
e sonda e força e fere a vista.

É como a brecha
numa rua estreita.
É o grito de quem sabe
e não aceita.

Ainda que a lembrança esqueça
e o peito agrida,
há algo que vence a cabeça
e vem, convence e encabeça a vida.

É como a brecha
em sombra e claridade.
É a luta de quem busca
a outra metade.















sábado, 29 de setembro de 2018

"eu tenho um rio", de Lílian Maial




eu tenho um rio que brota de dentro
e traz à tona o que foi sedimentar

tenho margens estreitas, correnteza furiosa
sem escolhas, apenas desaguar

invado e erodo, aliso cascalhos
até escorregar no limo do verbo

eu tenho um rio que leva as paredes
que se erguem em meio ao lixão da poesia
e soterra a palavra viva

eu tenho um rio de inundadas faces
e chovo poemas de sangue

eu tenho um Rio de Janeiro no peito estiado
e expio a falta da lembrança do teu rosto

 













sexta-feira, 28 de setembro de 2018

"camadas", de Leila Míccolis




Ser livre não é manter-se
intocável, sem entregas,
nem se dar também, às cegas,
a tudo o que nos agrade.


Ser livre é viver a idade
que sente o nosso querer,
é viver conforme a vida
é sobretudo viver.


E viver é mergulhar
para emergir com o submerso,
ampliando, a cada dia,
os limites do universo.













 

quinta-feira, 27 de setembro de 2018

"um minuto e meio", de Elis Maria





SOU

e só

 
        é assim
quando baixa a guarda
e sobe um medo
bastando um dó 

para chorar num dueto
que eu sei de mim

cicatrizes – segredos
(tantas atrizes prum só enredo)
escalar de púlpitos 

tornam-se leves e públicos 
vestes nudes
vícios rudes
a m o r e s c e n d o
 

o grude do esparadrapo
soltando na água quente
igual a mão da gente
dançando aos truques 

luzes daquele cenário
eu quase esquecendo...

...o rosto

o gosto...
 

extraordinário e corriqueiro 
do jeito ligeiro 
como caem as horas 
e o que acende junto ao céu lá fora 
durante, antes e após 
aqui, em um minuto e meio
distantes de

NÓS

















quarta-feira, 26 de setembro de 2018

"monanto", de Gianne Lorena





apenas imaginar e imaginar
acima de nuvens afagadas
sob o céu de crepom, lilás:
árvores consagrando gargalhadas

em olhos, diamantados
a natureza e o homem de mãos dadas
sob todos os olhares
do maltrapilho ao elegante

à luz de florescentes flores
no branco, o notável:
risos e faces diferentes, errantes
sob o mesmo céu, consolável

e, aqueles, julgados loucos por dançar
mostrando a essência da vida
aos outros que fazem dela a desconhecida
apenas por não saber o que é imaginar

e imaginar












 

segunda-feira, 24 de setembro de 2018

"vidas que perdi", de Lana Maciel



confesso o meu medo: 
medo de não conseguir voar
medo de não realizar os meus sonhos
e tantos outros que não reconheço:

medo 

de não-saber-realizar
 

e de tanto medo
eu tenho mais medo

vai que meus sonhos
sonhos tantos
tantos possíveis planos
me vejam de janelas distantes
daquele caminho que não con(segui)

só construí em um ambiente interno
com o medo que é meu inferno
por mero tédio da minha vida


vi mil vidas passarem
e aí?!

cadê a minha???
- num cubículo

não sei, confesso

talvez pendurada
nas minhas paredes
e guardadas no meu HD

talvez dentro de livros
palavras
e talvez
também, dentro de você

não sei.

medomedomedomedo
tanto medo que até me sinto
constrangida

sei lá, medo da morte
ou medo da vida!


é só um medo que
eu tenho e não queria

um medo sem eira nem beira
sem começo nem fim


inclusive
é só um medo que coexiste
entre o que sou 

e o que poderia

medo da minha vida ser
uma memória da vida
que eu nunca tive
e eu passar assim por mim:
[tlec!] despercebida.


ohando 
todas as vidas
que perdi



















domingo, 23 de setembro de 2018

"herança de morte", de Amélia Dalomba





lírios em mãos de carrascos
pombal à porta de ladrões
filho de mulher à boca do lixo
feridas gangrenadas sobre pontes quebradas
 
assim construímos África 
nos cursos de herança e morte
 
quando a crosta romper os beiços da terra 
o vento ditará a sentença aos deserdados
um feixe de luz constante na paginação da história
cada ser 
um dever e um direito

na voz ferida 
todos os abismos 
deglutidos pela esperança











sábado, 22 de setembro de 2018

"poemas perdidos", de Alice Bastos





eu

me lembrei de alguns poemas
escritos em alguns cadernos
que se perderam
do mundo

queria encontrar
os cadernos
os poemas
o mundo

eu













sexta-feira, 21 de setembro de 2018

"do que me basta", de Leila Andrade

 
 
 
 
 
o dia começa
e os olhos tão dispersos
acompanham cada gesto cotidiano

perceber do silêncio
as linhas do tempo

nuvens do céu
o que restou no chão

basta
 
 
 


 
 
 
 
 

quinta-feira, 20 de setembro de 2018

"o meu suor", de Marcya Carrilles





o meu suor transpira
molhado de sonhos,
o cheiro da vida no desconhecido 
que não sei
na verdade própria

sentindo o pudor de todo vazio 

do Deus que abandono quando perdida
me entrego ao amor que espero

para madura, ser pura de tão nua 
para olhar a verdade
me achar sem vaidade 

no meu ato 
experimentar um trago de felicidade

na minha alma 

nascer o vasto infinito de crescer 
na coragem da inocência
e então me integrar ao instante de Deus

(sem mais medo, renascendo 

juntando meu quebra-cabeças
de umas quatrocentas peças)

o caos na luta 

de sustentar a ideia da verdade de ser eu
na minha falta de memória
na loucura da veste que visto
 

para um verso 
de longe 
da saudade
para um verso para perto 
de te pertencer 

harpa dos anjos
talvez ilusão
ou só o simples querer sentir-me

apenas viver









quarta-feira, 19 de setembro de 2018

"tarde", de Suely Andrade





Tentativas proteladas,
Morosas.

 
As tardes, todas tão frias...
Estavam mudas as estradas.
Tu, mudo, rias.

 
No ar, o cheiro de rosas,
Funesto.
Agora era tudo vão,
Tudo findo,
Nem resto.

 
A chuva, chorando e rindo,
Caindo firme ao chão,
Enquanto rias
Mudo,
Ruminando.

 
Dantes do nada, tudo
minando, minando...














terça-feira, 18 de setembro de 2018

"at home", de Naiara Ferreira




alto lá!

o meu encanto constrói
e o meu enquanto 
é de se morar

lugar de cantar

e atestar que o tempo corrói
tudo que há 
de passar

é de regenerar

tenho o amor como herói
e meu resgate 
é amar









segunda-feira, 17 de setembro de 2018

"desalinho", de Ana Maria Gazzaneo





Tivesse sido,
conforme o sonho,
ingênuo,

talvez ameno,
o que se escancara...

Agora a espera,
que a estranha era,
também se vá...

Nenhum arguir inútil
dê corda ao vento...

Intento único,
o amanhã...











domingo, 16 de setembro de 2018

"pensameus", de Tânia Tomé




Eu existo-me
onde me existem os dedos inteiros 

voadores todos 
na minha mão,
coexistindo comigo e com a vida lá fora
mais infinita que o inesgotável.

 
Eu existo-me
quando os meus dígitos
escrevem-me tempo a tempo
dentro dos meus versos
as asas que existem
todo o meu canto.

 
Eu existo-me
dentro deste ruído sonoro
atravessando urgente
todo meu pensamento.














sábado, 15 de setembro de 2018

"ser como árvore", de Jota Garcia






Embora de ser árvore se arvore,
Muito falta para que assim seja,
Falta-lhe o fruto, maçã ou cereja,
E que do peito se lhe arranque o core.

E que os pés não tenham movimento,
Fundo na terra sempre enterrados,
Nem a gênese dos antepassados,
Nem a consciência do sofrimento.

Ser árvore é aceitar que um bronco,
Por maldade e sem qualquer motivo
Com um machado lhe decepe o tronco,

E doar a parte já decepada
Para leva-lo à última morada
Sem que isto julgue ser abusivo.
















sexta-feira, 14 de setembro de 2018

"bicicletas azuis", de Graça Carpes






quando amanhece
escuto kirtans antigos
que é para o energizar do dia
 
e
chamo os deuses
esses que existem 
porque os homens 
os criaram 
e

 por saber que o pensamento é energia
os denomino de
bons fluidos

 também
saboreio maçãs
e
.
.
.

te penso
.