sexta-feira, 31 de agosto de 2018

"contratempo", de Ana Rosa Zuffo




Fiz da ruína campo vasto pra deitar.
Acreditei que havia sombra,
Quando percebi o sol a me queimar.


Guiei-me pelas veredas de tantas e verdes

estradas,
E lá, atravessaram meu caminho,
Me ensinaram a sonhar.

Não desisti. Fiquei muda por um tempo.
O tanto no contratempo,
Para reaprender a caminhar.








quinta-feira, 30 de agosto de 2018

"meus gatos...", de Ivy Wyler





meus gatos deixam 
marcas pelas paredes
ao entrarem pelas janelas
na madrugada
  
homens me deixaram 
marcas de lágrimas no rosto
ao saírem 
na madrugada
  
ambas marcas 
facilmente removíveis
com água limpa.
as marcas na alma? 
estas removo-as 
com poesia...






quarta-feira, 29 de agosto de 2018

"àquele que não conheço", de Susan Cruz




estranho que passa com tamanha ansiedade
não sabe que eu de longe te observo
e me encho de saudade 
de quem eu poderia ser para você

uma imagem personificada 
que a mim mesma ofereço

em consolo, no relento das minhas inúmeras faces tornam-se vãs minhas tentativas 
quando tu desvendas
com apenas um olhar 
quem sou










 

terça-feira, 28 de agosto de 2018

"horizonte", de Lílian Maial




Horizontes me deixam inquieta,
mais que chuva ou vento.
Têm jeito de deitar,
de calar, esperar
de cama, de karma
de morrer.

Prefiro a irriquietude das ondas,
raios e trovões,
do barulho de folha balançando.

Há todo um enlace no bater das asas das borboletas,
no doce balé do destino de voar.

Tenho borboletas nos cílios
e meus olhos voam.
Descanso no horizonte,
depois da chuva.









segunda-feira, 27 de agosto de 2018

"garimpo", de Adriano Smaniotto




procurar na mesa
farelos
grãos de açucar
coisas inúteis que me ocupem
faca suja
um fundo de café solúvel

procurar o tempo
sob os pés dos móveis
inerentes a cortina
do cetim mais puro

procurar o mundo
com uma vela ascesa
e um segundo de desejo louco

procurar procurar
o corpo a língua o pescoço
o copo um vestido novo

procurar a si o dó dos outros
linha agulhas arrotos

o topo o torvo todo









 

domingo, 26 de agosto de 2018

"mil vozes", de Naiara Ferreira




na minha garganta
ecoam vozes
d'um povo distinto
 
naquilo que vejo
tais vozes
eu sinto
 
mas se digo que escrevo
apenas alheias vozes
eu minto
 
conter em conceitos
tantas fozes:
labor infindo
 
escorrem pelos dedos
fusão de vozes...
consinto









sábado, 25 de agosto de 2018

"tempo, quem és?", de Mariana Mendes




Tempo, quem és?
Corres, voas, giras?

Se não tens pernas, nem asas, nem engrenagens
és uma mentira

És um conceito criado
diante da necessidade de se eleger um culpado

pela dor da saudade
pelas oportunidades perdidas
pela efemeridade  que não se admite
pelo amor que poderia ter sido


Tempo,
és um fantasma
que imóvel assiste
ao que nos ocorre
do nascimento à morte

A rigor, tempo, tu nem existes.




sexta-feira, 24 de agosto de 2018

"a máscara", de Aline Dornelas




Quem está por trás da máscara?
Deixa eu ver!

Basta ter assistido a peça
para me reconhecer!

A personagem já conheço bem.
Não me deixa...
Sem antes saber quem é você! 

Essa é minha deixa!
Deixa eu desaparecer...





 Saiba mais sobre Aline Dornelas clicando aqui.






 

quinta-feira, 23 de agosto de 2018

"fizeram-me ir...", de Cristiano Farias




fizeram-me ir
eu que ainda não pulei
meu primeiro abismo

são tantas as vezes que sonho
que a ideia de infinito
me faz parecer que as pernas
não voltam mais depois do salto

sempre que desperto
percebo que se refaz novamente
a realidade matinal

é preciso que o ar
saia dos pulmões e se misture
ao orvalho da relva
para se refazer nas fendas distantes

cortaram-me as asas
mas ainda sei voar















quarta-feira, 22 de agosto de 2018

"só", de Ligia Tomarchio




Nos escombros de minh'alma
a resgatar lembranças soterradas
assombro-me com a nitidez daquela imagem
qual miragem no deserto de mim.

Cansada de caminhar sem rumo
nos pesadelos de minha vida
aborto toda dor contida.

Não é feito de pedra meu coração!
Sentimentos avassaladores transbordam
na taça de vinho tinto que bebo
no cigarro que acabo de tragar
sentada à mesa d'um bar.

As paredes amarelas desespero
espelham a rudeza do momento...
Só, estou só e lamento
sob um céu escuro sem luar ou estrelas...

Outros também aqui estão
olhares perdidos, lentos movimentos...
A fumaça esconde minha verdade
distorce minha aparência e dos outros...

E nela sempre me escondo...
Deixo o pranto livre
o riso preso
o corpo teso
a fantasia solta.















terça-feira, 21 de agosto de 2018

"nuvens", de Érica Antunes:




vão-se embora 
meus encantos
meus espantos
sem demora

a febre de vida 
segue anuviada
até que o sol se ponha
na eternidade

sigo meu caminho 
que não sei onde vai dar
decerto num abismo profundo
com cheiro de absinto
misturado à vela

que seja negro, ainda penso
porque pensando penso 

que nada do que foi
em verdade foi

se de um lado está a menina
do outro floresce a mulher
e, logo em seguida, a anciã

que as irmãs, donas do destino
venham me visitar: 


tem pão-de-ló no guarda-comida
e não me importo mais

humano ou breve 

casto ou perene
nada resta


bem-vindas as Moiras 
chá com biscoitos
do porvir em breve desfeito

venha a morte









 

segunda-feira, 20 de agosto de 2018

"coração náufrago", de Dyane Silva




este coração náufrago
a ver navios e portos próximos
sempre fugidio a querer

o mar

se afoga, naufraga
suga o leito próximo
deságua em mar aberto

e nada





 

sábado, 18 de agosto de 2018

"homem remoto", de Marcos Prado




a televisão carcomeu meu cérebro
assim como a vodca em outro episódio
por ela, espelho, virei vídeo
com ódio e áudio de mim mesmo

minha imagem paralisada, em foco
não tem controle pelo controle remoto
(só o bar Peixoto me faz sair da cama
curitibano tomando pinga com mel em copacabana)

vejo a tv como ela vê a mim, desconhecidos
enfim, como se vêem os íntimos antigos amigos
que não se falam, não se encontram e, sem pressa,
esperam, preferência, a ausência de si como festa










sexta-feira, 17 de agosto de 2018

"adentra a noite", de Andrea Cristina Lopes

 
 
 
...e assim sigo
equilibrando-me
entre o aqui e o ali
passo os dias
buscando malabares
para driblar
as ciladas do tempo

passo despercebida
removo os enfeites antigos
renovo cores
e não abro mão
de me defrontar às flores
que a vida me há
de voltar a rimar
 
 

 


  
 
 
 

quarta-feira, 15 de agosto de 2018

"gatos abstratos", de Miriã Pinheiro.




1, 2, 3, gritam, gatos sem vozes,
algozes, afobados e ariscos.
Querem viver e correr os riscos
de vencer com suas patas velozes.

Voem gatos do mundo!
Invadam o terror profundo
e o temor noturno.
E tentem, cansados, desafiar o outro,
que dormindo está para o seu espírito afronto.

Mostrem-se capazes e causem medo,
façam guerras e comandem o enredo.
Sejam ser, sejam humanos,
Seja eu, sejam urbanos!












terça-feira, 14 de agosto de 2018

"centelha", de Dalva Molina Mansano




derrubar o muro sentencioso 
que há dentro de mim
e rasgar as faixas
para que a luz possa atingir-me
intacta nesta busca íntegra
de ficar ilesa e despertar

olho ao redor e desespero
de mim mesma e do mundo
sinto as peias e a escravidão
que habitam no meu ser
queimando-me na centelha
nas formas estreitas
do meu entendimento humano
quero ser investigadora sincera
de mim e dos outros

assim, não sendo
jamais poderei participar
da grande realidade
que é viver, sentindo
cada vez mais o desespero
da ânsia da verdade









segunda-feira, 13 de agosto de 2018

"céu em tela", de Lana Maciel




ao fundo da tela pintada em azul
como se fosse uma fotografia 
de Deus
o sol descamba em tons avermelhados
maravilhando a tarde cansada de alguns

e o dia se ganha com tal deslumbrante visão

poucos sabem do âmago dessas imagens
poucos sentem a imensa essência desta passagem
de momentos tão simples
porém, jamais

vãos 







domingo, 12 de agosto de 2018

"esquinas", de Suely Andrade




Minhas esquinas cansaram
de dobrar em ruas ermas,
onde o vento assobiava
subitamente, apagando as lamparinas.

Minhas esquinas aportam agora
em ruas assanhadas
de carros, de passantes, de pedintes.
São ruas enfermas,
nas quais não se veem requintes,
nem árvores plantadas.

Minhas esquinas procuram ruas libertas
de causas abandonadas.
Ruas amenas, cobertas
de ladrilhos
ou de areia apenas,
mas onde os andarilhos
caminhem rumo a suas moradas.

Minhas esquinas
seguem a caminhada por ruas desertas e desabitadas,
rumo aos dias seguintes.