quarta-feira, 31 de outubro de 2018

"o poema final", de Lucas de Meira





quatro, ponto, zero
e já desisti
até de não desistir
de tudo q'uinda
espero

não, meu caro espelho
a vida não começa aqui
como pregam os otimísticos
e, sim, como cantam as dores
às falhas do sistema límbico

aqui, o céu encontra seu desfazer
na certeza de uma absoluta
incompatibilidade com o mundo
: não sei mais viver
e esta é a luta

vejo meu filhinho
que agora já é um filhão
vejo que não o levo mais pela mão
e um abismo profundo
encerra meu caminho

um pai, o único ser
que realmente fui
pois não me via mais sozinho
ao, finalmente, me ver
em outro alguém, em outra vida

e descobri, que tal visão
de como eu poderia ter sido
poderia até mudar o que teria vivido
no entanto, eu, ainda eu, sempre seria
noites afora, buscando alguma luz do dia

ou aos abraços com a misantropia
à percussão do meu peito
orgulhoso e adolescêntrico
com saudades de sonhos que não sonhei
aos pés de pesadelos que cultivei

todavia, pelas raízes deles, preso
um pensamento surgiu, ileso
tomou a forma de um verso
depois de um não! e logo vi
eu, mesmo, e a perdida razão

vitimada pelo ilusionismo
pelos ismos das letras
e, realidade traduzida
decidi, que a tal coisa que tenho com a poesia
precisa ser, agora, rompida

quatro, ponto, zero
e abro os olhos
: enfim, estou com a palavra
e ela é apenas minha
assim como todo o horizonte nesta última linha